Compreender a arte tridimensional da atualidade parece-nos um
grande desafio que, se vencido, nos leva a encontrar sentidos nas produções
estéticas dos sujeitos envolvidos. A apreciação dessas produções pressupõe intuição,
sensibilidade e, sobretudo, reflexão sobre as novas e diferentes relações entre
objeto, espaço, tempo e cor que constroem a qualidade e o interesse de um
trabalho.
Na
busca desse entendimento deparamo-nos com as considerações de Donald Judd
(1965) sobre os trabalhos dos jovens artistas de sua geração, inscritos no
espaço real, anti-ilusionista e não gestual, nos quais a cor, a forma e a superfície
estão integradas. Parece-nos importante a ideia do artista de que as
contradições à pintura e à escultura tradicionais são motivadas simplesmente
por algum desconforto e por isso repercute mais intolerante do que realmente é.
Assim é que Judd afirma:
Um novo trabalho sempre envolve objeções ao velho, mas essas objeções só
são verdadeiramente relevantes para o novo. Se o trabalho anterior é de
primeira linha ele é completo. Novas inconsistências e limitações não são
retroativas; elas concernem unicamente ao trabalho que está sendo desenvolvido.
(1965, p.97).
Para
JUDD a diferença mais evidente nos novos trabalhos é que eles são abertos e em
extensão, mais ou menos, ambiental, e por esse motivo são mais vastos que a
pintura e a escultura. Por essa mesma razão, os problemas do ilusionismo, do
espaço literal, do espaço dentro e em torno dos limites e das cores, que
ocorrem com a pintura, são eliminados. O espaço real proporcionado pelo uso das
três dimensões torna possível qualquer objeto, seja esse regular ou irregular, relacionado
com a parede, o teto, o chão, o exterior, a paisagem, ou encerrar-se em si
mesmo, sem qualquer afinidade com o meio.
Observamos, também, a
utilização direta de todo tipos de materiais, específicos e enfáticos,
objetivos na sua inexorável identidade, tais como fórmica, alumínio, latão,
acrílico, lâmina de aço, ferro, bronze, prata, ouro e cristais, para citar
alguns. Há ainda a qualidade dos materiais considerada para uso não objetivo,
dependente da intenção; materiais rígidos, maleáveis, espessos, macios, reflexivos,
translúcidos e opacos. Por vezes, esses materiais não se identificam obviamente
com a arte. A obra e seus materiais estão interligados numa nova perspectiva e
objetividade.
Mas para Hélio Oiticica, ao
lançar o Manifesto Esquema Geral da Nova
Objetividade [1], a
ideia de objetividade assume um caráter mais amplo, vai além das três dimensões
do nosso espaço real:
A
Nova Objetividade é a formulação de um estado típico da arte brasileira atual
cujas principais características são: 1 – vontade construtiva geral; 2 –
tendência para o objeto ao ser negado e superado o quadro do cavalete; 3 – a participação
do espectador (corporal, táctil, visual, semântica, etc.); 4 – a abordagem e
tomada de posição em relação a problemas políticos, sociais e éticos; 5 –
tendência para proposições coletivas e consequente abolição dos “ismos”
característicos da primeira metade do século na arte de hoje (tendência esta
que pode ser englobada no conceito de “arte pós-moderna” de Mário Pedrosa); 6 –
ressurgimento e novas formulações do conceito de antiarte. (1986, p. 84)
Decorridos
45 anos da primeira divulgação
do Manifesto, parece-nos irresistível averiguar se as características esquematizadas
por Oiticica, algumas colocadas como tendência, se confirmaram nessa primeira
década do Século XXI.
A vontade construtiva geral de procurar nossas
características latentes, a nosso ver, persiste, embora a esperada identidade
cultural, ou seja, a arte contemporânea brasileira ainda é assunto de discussão
por parte de artistas, críticos e acadêmicos. Sobre o tema não há consenso.
A segunda característica não se
confirmou plenamente, pois o quadro de cavalete não foi inteiramente superado
ou demolido. Verificamos que no mercado de artes ainda encontramos produções de
artistas que guardam alguns dos elementos do quadro, como, por exemplo, os
trabalhos de Cristina Oiticica, Gustavo Rosa, Glênio, Ziraldo, etc.
Quanto às demais características,
acreditamos que se confirmaram, pois, a participação do espectador é cada vez
mais presente nos trabalhos dos artistas contemporâneos; a preocupação com as
questões sociais, políticas e éticas fortaleceu-se em função da liberdade
ideológica hoje existente, embora essas questões nem sempre estejam adstritas à
situação brasileira.
O autor conclui que no Brasil, para
ter uma posição significativa é necessário ser visceralmente contra tudo que
seria o conformismo cultural, político, ético e social. A frase fundamental
para o seu grupo de vanguarda era: “DA ADVERSIDADE VIVEMOS!”.
As ideias de Oiticica até hoje reverberam com
força no mundo da arte brasileira, só que a frase mais adequada à nossa
realidade seria: “VIVEMOS DA DIVERSIDADE!”.
Referência
OITICICA, Hélio - Esquema
Geral da Nova Objetividade, texto publicado no Livro Aspiro ao Grande Labirinto . Editora Rocco, 1986
JUDD, Donald - Objetos
Específicos, texto publicado originalmente em Arts Yearbook 8, 1965, com
numerosas reedições.
Edna Galisa de Souza
Estudante de Artes Visuais da Faculdade de Artes Dulcina de
Morais.
Abril/2012
[1] O
manifesto Esquema Geral da Nova Objetividade foi publicado originalmente na
Exposição Nova Objetividade Brasileira, em 1967.
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